sexta-feira, 3 de setembro de 2010

03/09/2010 06h00 - Atualizado em 03/09/2010 10h06 Presídio desativado em AL vira refúgio para desabrigados pelas enchentes

Colônia prisional foi desativada em 1980 e virou ‘conjunto habitacional’.
Complexo tem 16 pavilhões e abriga em suas celas cerca de 500 famílias.

Expulsas de casa pelas enxurradas que castigaram Alagoas ao longo dos últimos 30 anos, cerca de 500 famílias encontraram nas celas de uma antiga colônia prisional em União dos Palmares, a 77 quilômetros da capital Maceió, um novo lugar para morar.
Encravada no meio de canaviais, a Colônia de Santa Fé foi desativada no começo da década de 1980 e acabou virando uma espécie de favela atrás das grades. Pelos 16 pavilhões, amontoam-se homens, mulheres, crianças, jovens e idosos. Os moradores mais antigos chegaram ao lugar pouco depois da enxurrada de 1989. São famílias que criaram filhos nas celas, que, uma vez crescidos, casados e sem moradia, mudaram-se para a cela ao lado com os filhos.
Fui criada aqui e não vou sair daqui nunca. Tem tudo aqui, tem água, luz. É muito bom. Virou conjunto habitacional"
Maria Simone, 24 anos, nascida e criada na antiga colônia prisional de União dos Palmares
Esse é o caso da dona de casa Maria Simone, 24 anos, que nasceu no lugar, casou, teve filhos e não pretende mais deixar o antigo presídio. “Fui criada aqui e não vou sair daqui nunca. Tem tudo aqui, tem água, luz. É muito bom. Virou conjunto habitacional”, afirma Maria.
A enchente que destruiu centenas de casas em junho deste ano também contribuiu para que novos moradores chegassem. Dona Getúlia da Silva Nunes, 47 anos, ficou apenas com a roupa do corpo depois que o Rio Mundaú destruiu tudo em Murici (AL) e não teve outra opção a não ser se instalar no presídio. “Perdi tudo. Colchão, cama, mesa, armário, tudo. Aí tive que vir pra cá.”
Instalada no lugar há dez anos, foi a filha de dona Getúlia, Marinalva da Silva Nunes, 32 anos, que conseguiu um “cantinho” no presídio para a mãe. “Eu gosto de morar aqui. Sou mais aqui do que em uma casa. Só não tem banheiro, mas o resto tem tudo: luz, água. Quando precisa fazer as coisas [ir ao banheiro] é só pegar um saco e fazer dentro. Aí joga no lixo”, relata Marinalva.
Na colônia Santa Fé, as celas não têm banheiro e o esgoto corre a céu aberto na frente das portas. Crianças vão e vêm descalças e demonstram a intimidade de quem nasceu no lugar e dali jamais saiu. A cadeia que virou conjunto habitacional é conhecida entre os moradores de União dos Palmares simplesmente por “pavilhão”. Uma estrada quase intransitável nos dias de chuva faz a ligação do lugar com a BR-104, que corta a região, e o percurso até o centro da cidade pode ser feito em menos de 20 minutos.
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pavilhão - palmaresColônia prisional que virou moradia em Unidão dos Palmares, em Alagoas (Foto: Robson Bonin)
Eu gosto de morar aqui. Sou mais aqui do que em uma casa. Só não tem banheiro, mas o resto tem tudo: luz, água. Quando precisa fazer as coisas [ir ao banheiro] é só pegar um saco e fazer dentro. Aí joga no lixo"
Marinalva da Silva Nunes, 32 anos, morada há dez anos do antigo presídio
As inscrições que identificam o número de cada ala carcerária ainda estão nas paredes sujas e o lugar todo fede a lixo. A antiga ala de panificação, que servia de ocupação e treinamento para os detentos, virou dormitório. Relatos dos moradores mais antigos dizem que quando as famílias chegaram, presos ainda ocupavam algumas alas do complexo. Hoje, até a guarita já virou residência.
Dona Maria do Carmo, 61 anos, chegou ao presídio em 1989, depois da enxurrada em União dos Palmares. “Vivo aqui com Deus. Com a fé que tenho em Deus. Mas eu quero uma casa e ainda luto para ter uma casa fora daqui.”

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